Museu Tramas Daqui

Referência e criatividade

São Roque é uma comunidade rural de Paraty que se originou de um assentamento estabelecido na década de 1970. Cercada por cachoeiras e mata densa, típica da Mata Atlântica, a comunidade sofre diversas pressões externas em virtude do crescimento da especulação imobiliária e da exploração de empresas externas.

A técnica do trançado foi transmitida aos moradores de São Roque por mestres-artesãos e artesãs que vieram morar no local. O repertório criativo foi incrementado em oficinas ministradas por designers, voltadas ao desenvolvimento de novos produtos. 

Maria Aparecida da Silva é uma das principais produtoras de cestaria do local. Ela pode ser considerada uma mestra, uma vez que transmite saberes que potencializam e organizam a produção da família.  O fato de ser conhecida como Dona Maria de São Roque torna evidente o reconhecimento de seu trabalho e a associação com o lugar onde ele é realizado. Criadora e criações são fontes de referência ao e no território.

Dona Maria aprendeu olhando a mãe e a avô produzindo cestaria. Abanos, peneiras, cestas e esteiras, hoje muito buscados para decoração de casas, eram feitos para uso na roça.Dona Maria cria peças desde quando tinha 12 anos, trabalho que, junto com a lida na roça, garantiu o sustento de sua família.

A criadora já forneceu suas obras para lojas e também produziu para atender encomendas. Nos dias atuais, as produções de Dona Maria são comercializadas por ela na Feira do Produtor Rural de Paraty. Os primeiros produtos foram expostos sobre um pano no chão. Ela conta que a comercialização deles inicialmente gerou resistência, mas tornaram-se parte do mercado local e lá estão presentes, juntos de sua criadora, há pelo menos 30 anos. Atualmente ela divide a loja da Feira com sua irmã Dona Maria Rita da Silva Oliveira, também criadora de cestaria de São Roque. No local também são comercializadas peças feitas por José Omair de Oliveira, marido de Maria Rita e da filha do casal, Bruna.

A coleta do material tem se mostrado desafiadora. Em primeiro lugar, é preciso destacar a escassez de matéria-prima em São Roque. A diminuição do material se deu em função da ocupação desordenada da parte baixa do território, onde nascia a taboa. Segundo Dona Maria, a taboa precisa ser retirada de tempos em tempos para que continue brotando. E, como isso não foi feito, o cenário de falta de material piorou. A fala da criadora reforça a importância do manejo para a manutenção da planta / fonte de matéria-prima.

Além disso, a idade e os problemas de saúde têm impedido Dona Maria de ir à floresta coletar os materiais. Para retirar taboa, por exemplo, é preciso se embrenhar na mata, entrar no mangue e molhar os pés, empreitada que a criadora realizou por muitos anos, mas que agora é feita por outras pessoas. Para encontrar imbé pode ser necessário caminhar até três horas e, em seguida, fazer muita força para sua retirada.

A irmã e vizinha, Maria Rita, e também seu marido, José Omair de Oliveira, ocasionalmente retiram e fornecem material para D. Maria de São Roque. A coleta de material na fase correta da lua facilita o trabalho.

Tem que saber o tempo certinho de tirar a taquara, [e tirar] nem tão fino, nem tão tem grosso, nem tão verde, nem tão maduro. O material que vai dizer como que a trança vai ser feita.
D. Maria de São Roque

O PROCESSO

os feixes de taquara são retirados do material bruto. Se o objetivo for a produção de peneiras, tem que ser feito por gomo; se for para fazer cesta ou balaio, as tiras podem conter o nó da taquara. A matéria-prima pode ser usada com casca, o que confere uma tonalidade mais escura ao objeto, ou sem casca, deixando-o mais claro. O material não deve ficar guardado muito tempo, caso contrário, fica muito quebradiço, impossibilitando o trabalho.

os fios de taquara são umedecidos e entrelaçados de acordo com as possibilidades sugeridas pelo próprio material e pelo formato final desejado pela pessoa produtora da peça.

varia de uma peça para outra. Dona Maria gosta de finalizar os objetos com uma corda de casca de embaúba que ela mesma criou. Não são utilizados produtos como verniz, selador ou inseticida. O que confere qualidade e durabilidade às peças é o manejo e a utilização correta do material.

Dona Maria é enfática quanto a necessidade de “ter ciência para tirar” o material da mata. A “taquara de vez” pode ser reconhecida pela cor das folhas e pela firmeza da planta. Para exemplificar o quanto o conhecimento em questão é imprescindível, a criadora contou que em certa ocasião foi convidada a conduzir uma oficina em uma escola e a taquara quebrou assim que ela começou a trançar. A produção de cestaria, como pode ser visto, envolve uma cadeia de saberes que não podem ser dissociados. A boa execução da trama está ligada ao uso de material colhido de maneira correta e no período recomendado.

Materiais mais utilizados:

OS DESAFIOS

Além da escassez de matéria prima, outro desafio para Dona Maria de São Roque é a transmissão de seu saber. Ela conta que gosta muito de ensinar e procura pessoas que queiram aprender. Seus filhos sabem produzir peças, mas não quiseram exercer o ofício. A filha Rose produz pequenos balaios utilizados por artistas para montagem de balões decorativos.

Uma das razões para a falta de interesse das novas gerações é o baixo valor que a criadora consegue em troca das peças. Há produtos vendidos por menos de R$5,00 e que certamente deveriam custar mais.  A falta de valorização do trabalho, portanto, coloca sua continuidade em risco.

“Eu gostaria que as pessoas aprendessem, que ficasse a semente, porque está acabando, o pessoal não faz mais essas coisas da roça”.
D. Maria de São Roque

As memórias e demais informações sobre a produção de cestaria em São Roque foram produzidas, em 2022, em colaboração com Maria Aparecida da Silva, Maria Rita da Silva Oliveira e José Omair de Oliveira.

Também houve consulta a material bibliográfico que está listado na aba Referências.

Contatos no Território

Bruna – (24) 99958 8527